segunda-feira, 8 de março de 2010

Para falar de amor...

Estava me lembrando... há alguns anos atrás eu tinha um cachorro chamado Luppy, um animalzinho ao qual serei eternamente grata. Porque foi Luppy que me consolou muitas vezes, e dar consolo é oferecer ao outro aquilo que ele está precisando, e naqueles momentos eu precisava de afeto. Quando eu era recém-adolescente e algo me ocorria, me deixando muito triste, ele me via chorando deitada na cama, e ele se aproximava, lambia meu braço estendido, minha mão estendida e esfregava seu nariz gelado me consolando e eu lhe dizia: “Não se preocupe Pipito, logo estarei bem, vai passar.” E soluçava, e soluçava. Mas sentia o olhar acolhedor daquele cachorro, que está em minha memória física e emocional. Então, se aquele cachorro era capaz de me amar, de me dar afeto, eu também poderia fazê-lo, a princípio um amor primário, mas que era um exercício para o amor pleno.

Esta recordação surgiu a partir da reflexão de que precisamos ser reconhecidos para nos aceitarmos. Só nos amamos verdadeiramente quando nos aceitamos. A criança que não recebeu um olhar amoroso vai lidar com o bloqueio, que isso vai lhe causar no decorrer de sua vida. E não importa o meio às vezes uma relação terapêutica, um animal, uma planta, um objeto, têm pessoas que começam a superar esta energia bloqueada através desses sentimentos, muitas vezes profundos, que não são ainda direcionados ao seu próximo. Mas que um dia será possível ser projetado.

Jean-Yves Leloup nos lembra de que não se pode amar os outros se não se ama a si mesmo. É aí que está a nossa dificuldade. Leloup cita Freud e mostra porque ele acreditava ser impossível realizar o pedido do Cristo, “Freud dizia que o ensinamento do Cristo, que pede para se amar o próximo como a si mesmo, é algo impossível. Porque o homem não ama a si mesmo”. Amar a nós mesmos significa aceitar o que somos, amar o outro que existe dentro de nós. Porque aquilo que o outro é nós também somos, e aquilo que somos o outro também é. A inveja que percebo no outro de alguma forma está em mim, se não agora, no momento atual, já esteve presente em algum momento do meu crescimento. O orgulho, o medo, a avareza, a ingratidão e tantos outros sentimentos negativos, que experienciamos no decorrer da nossa existência, estão ou estiveram presentes em nós. Quando reconheço isso em mim, reconheço que sou sombra e que sou luz, reconheço e aceito também a sombra do outro. Compreendo que se eu tive ou tenho determinada marca esta marca também pode estar no outro. Percebo que a luz que está em mim também está no outro, de forma mais ou menos brilhante, mas esta centelha que é o Superconsciente em nós, já habita nosso ser, apenas pode ainda não ter se desvelado. É um vir-a-ser, um tornar-se.

Daí então, o amor acontece. Não mais da boca para fora, um amor que vem da cabeça, que alguém disse que você deveria sentir, porque isso te garante ganhos. Agora, um amor que vem de todo o coração. Um amor que não é hipócrita. O Cristo não disse “Você amará e se não amar vai para o inferno”, suas palavras remetem ao futuro, “Você amará!”, o que você não consegue fazer hoje plenamente, um dia conseguirá. E tornando-se capaz de se amar, será capaz de amar o outro. Percebendo que amando o outro, ama a si mesmo. Porque ama no outro o que também ama em si. Reconhecendo a sua sombra, você está se reconhecendo por inteiro. E quando nos reconhecemos por inteiro, nos tornamos fortes, autênticos. Esta autenticidade é levada para nossa relação com a vida, com o mundo, com o outro. Passamos a cuidar do outro como cuidamos de uma parte nossa. Se esta parte cresce amorosamente, nós também crescemos amorosamente. Assim, tornamo-nos capazes de amar ao próximo como a nós mesmos. E fazê-lo, o que agora fazemos a nós mesmos. Amar incondicionalmente.